quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Falta de estrutura do Judiciário ameaça nova lei da adoção, dizem magistrados

Lei determina que candidatos a pais passem por análise psicológica.Para especialistas, a maioria das varas da infância não está preparada.

Mariana Oliveira Do G1, em São Paulo

A escassez de profissionais de psicologia e assistência social nas varas de infância pelo país ameaça comprometer a aplicação da nova lei da adoção, sancionada nesta segunda pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada nesta terça (4) no "Diário Oficial da União”, segundo avaliação de magistrados, promotores e especialistas ouvidos pelo G1.

A lei, que entra em vigor em três meses, estabelece que os candidatos a pais passem por "preparação psicossocial e jurídica" para serem habilitados para adoção. Para isso, é necessário o trabalho dos psicólogos e assistentes sociais. A medida de exigir uma preparação prévia dos candidatos a pais já era adotada por muitos juízes, mas, com a lei, passa a ser regra.

Clique aqui para ver chat realizado na segunda no G1 sobre a lei da adoção

A aplicação da lei, no entanto, esbarra em um entrave, de acordo com magistrados e promotores: a maioria das cerca de 3 mil varas da infância e da juventude no país não tem à disposição psicólogos ou assistentes sociais para acompanhar o andamento dos processos de adoção.
Atualmente, o juiz que não tem equipe de apoio pode requisitar auxílio às prefeituras ou universidades. Esse recurso, porém, é considerado inadequado pelos especialistas ouvidos pelo G1.

O vice-presidente de Assuntos da Infância e Juventude da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Francisco Oliveira Neto, afirma que a nova lei é muito importante, mas que tem como desafio a questão estrutural. Segundo ele, as mudanças para a implantação da lei mexem com a destinação de recursos para as varas da infância.
"Quando o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) toma iniciativa de criar um cadastro nacional [de adoção], isso mostra a opção política do Poder Judiciário pela questão social. (...) Mas faltam assistentes sociais, psicólogos, muitas varas são carentes. O sistema de cadastro é informatizado, então precisa de computadores em todas as unidades", diz Oliveira Neto.
A juíza da infância Vera Lúcia Deboni, de Porto Alegre (RS), diretora da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), avalia que a falta de profissionais especializados pode comprometer a agilidade dos processos de adoção.
"Não se pode pensar somente como juiz de capital, onde existem sempre equipes multidisciplinares. Tem que se pensar como juiz de cidade pequena, que tem 4 mil processos e entre eles os de adoção. Claro que uma equipe multidisciplinar poderia ajudar os processos a andar. Caso contrário, tem que contar com a ajuda do prefeito para emprestar psicóloga."
Titular da Vara da Infância da Juventude da Lapa em São Paulo (SP), Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, integrante da Coordenadoria da Infância do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), afirmou que a possibilidade de pedir ajuda a professores ou prefeitura nem sempre ajuda realmente o processo.
"É uma possibilidade relativa porque a psicologia judiciária é especializada, nem todas as faculdades e universidades têm gente preparada para essas áreas", afirma.
Carvalho diz ainda que se trata de um "problema crônico" que precisa de solução. "É um problema de longa data. O Tribunal [de Justiça] de São Paulo tem consciência disso. Se trata de um problema crônico que São Paulo tem, bastante severo, mas o nosso é pequeno perto de outros [estados]."
Para o juiz, é preciso que os orçamentos dos tribunais sejam ampliados, o que depende da aprovação da assembléia legislativa em cada estado. "Alguma solução vai ter que ser dada. Senão, vamos ter dificuldades em cumprir a lei."

Norte e Nordeste

O promotor de Justiça aposentado e professor universitário Wilson Donizeti Liberati, que já atuou com questões relacionadas à infância em Rondônia, afirma que a preocupação com a falta de equipe de apoio é maior nos estados do Norte e Nordeste.
"Um processo de adoção não precisa só de um juiz, precisa de psicólogo. O juiz não é um profissional dessa área, segue de acordo com a lei. Só um técnico pode analisar o grau de afetividade com a criança", afirmou Liberati, especialista em adoção e autor de livros como “Adoção internacional” e “Direito da Criança e do Adolescente”.
"Falta muita gente para trabalhar. Apesar de o juiz poder requisitar o serviço de um técnico, de alguém da cidade, de uma professora, isso não é bom. O Judiciário vai precisar fazer investimentos", disse.
A presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção do Brasil (Angaad), Maria Bárbara Toledo, afirma que além dos investimentos, parcerias podem ser fundamentais para a implantação adequada da lei. "O Judiciário tem condições de dar conta disso (contratar profissionais de apoio), tem boa arrecadação. É só não investir tanto em prédios, em equipamentos tecnológicos. Tem que investir mais em gente, em profissionais." O G1 procurou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para comentar a crítica, mas não obteve resposta.
Para Maria Bárbara, as associações de apoio à adoção podem ajudar para suprir a falta de mão-de-obra. "Nas associações, eles [os candidatos a pais] não representam um papel porque não querem ser aprovados a todo custo. Eles se desnudam, contam as dúvidas, os preconceitos. E aí os psicólogos encontram o espaço certo para preparar para a adoção."

Pontos positivos

Francisco Oliveira Neto, da AMB, diz que a nova lei torna o processo de adoção "mais claro e mais objetivo". Ele aponta como um dos principais pontos positivos da nova legislação o prazo máximo de dois anos para a criança ficar em um abrigo antes de a Justiça decidir se ela será encaminhada para adoção.
"O prazo de dois anos para a criança ser encaminhada para adoção é importante porque até hoje não existia prazo. Só 10% das crianças em abrigos hoje estão disponíveis para adoção. Esse número tende a aumentar", diz o magistrado. Segundo ele, atualmente 80 mil crianças vivem em abrigos.
Presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção do Brasil (Angaad), Maria Bárbara Toledo concorda. "Esse prazo é fundamental para não condenar mais crianças a uma infância varrida para fora do tapete. Eles têm dois anos para resolver a situação da criança. Daí, Ministério Público e magistratura vão ter que se coçar. Antes, a gente não podia pressionar a magistratura porque não tinha prazo."
Juízes consultados pelo G1, porém, consideram que a legislação deveria ter dado uma alternativa para os casos que a Justiça não conseguir resolver em dois anos.
“Determinam que em dois anos a criança deve sair desse abrigo. Daí vamos obrigar a família a perder seu filho pela pobreza? Como se temos uma regra que diz que ninguém vai ser destituído do poder familiar pela pobreza? Vamos viver uma série de precipitações”, afirmou Vera Lúcia Deboni, diretora da ABMP. Ela afirma que muitas famílias, embora tenham afetividade com o menor, não têm condições financeiras de manter a criança.

Questão cultural

Para a juíza, a nova lei não resolve o “grande problema da adoção” que, segundo ela, é a “questão cultural”.
"O problema da adoção não pode ser resolvido com uma lei. Precisamos mudar o enfoque que o brasileiro dá para a adoção. As pessoas trazem uma série de exigências. Não temos, salvo em exceção, dificuldade na colocação de crianças pequenas, brancas, saudáveis. Para essas, nós temos fila de espera. Qual é a dificuldade? É com as crianças maiores, acima de 7, 8 anos, que pertençam a grupo de irmãos ou portadoras de necessidades especiais. Isso a lei não resolve."

Adoção internacional

Na avaliação do promotor de Justiça aposentado Wilson Donizeti Liberati, a nova lei passa a dificultar a adoção de crianças por estrangeiros, público que geralmente se interessa pela adoção de crianças mais velhas. O prazo de habilitação para casais residentes no exterior adotarem após conseguirem autorização tanto em seu país quanto no Brasil foi reduzido de dois anos para um.
O projeto que resultou na lei justifica a redução do prazo com a necessidade de evitar irregularidades no processo e criar regras para a adoção internacional.
"A nova lei vai dificultar porque o mecanismo vai ser mais trabalhoso. Acho que isso é negativo porque existe uma cultura no país de que a criança com mais de 2 anos é velha. No estrangeiro, não se tem essa visão", afirmou Liberati, para quem os estrangeiros podem perder o interesse de adotar no Brasil.

3 comentários:

Eliane Jany Barbanti disse...

Olá querida, obrigada pela visita, pela ótima mensagem e por tornar-se minha seguidora tb.
Parabéns pelo seu blog, belíssimo trabalho!!!
Estou à disposição caso, possa ajudar meu e-mail é elianeba@usp.br, fique à vontade e entre em contato para nos falarmos quando desejar.
Um grande bjo.
Eliane
eliane

Fernanda Benitez disse...

Oi Elaine,

Que bom que vc viu meu comentário. Obrigada pelos elogios, volte sempre.
Daqui a pouquinho meu e-mail chegará a vc.
Beijos e muito obrigada por responder

Anônimo disse...

Faltam profissionais e faltam, principalmente, profissionais concursados com experiência prática em abrigos e experiência clínica com violência doméstica. Na seleção dos candidatos via concurso tanto na justiça como no MP, deve ser incluída a experiência prática, sim, para compreender a dor do abandono ou dos maus tratos e acelerar a destituição do poder familiar. Onde já se viu profissional que prepara ou que entrevista candidatos aa adoção dizer "não vou ao orfanato porque me dá pena das crianças, os bichinhos olham querendo ser adotadoo"???? Só no brasil mesmo...

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