quarta-feira, 8 de abril de 2009

A devolução de crianças adotadas

Psicanalista defende que, apesar de delicado, o assunto precisa ser discutido. Compreender e aceitar os conflitos existentes na relação entre pais e filhos é o primeiro passo para contornar as devoluções

A devolução de crianças adotadas é um tema bastante delicado e pouco comentado. Mas ele é mais freqüente do que se imagina. Para isso, a psicanalista Maria Luiza Ghirardi investigou o assunto em uma dissertação de mestrado pelo Instituto de Psicologia da USP com o objetivo de apontar algumas dificuldades encontradas pelos pais adotantes. Para ela, entender os chamados fatores de risco é uma ajuda para contornar as devoluções.

Com experiência de 13 anos na área e após entrevistas com pais e mães que adotaram, a psicanalista concluiu que um dos principais fatores envolvidos, e que precisa ser refletido, é a hipervalorização da paternidade. A sociedade contemporânea tende a idealizar a relação entre pais e filhos, acreditando que tudo será impecável e não haverá conflitos. "Os pais pensam que apenas o amor basta, mas não é bem assim. As dificuldades estão sempre presentes em nossas relações, seja no contexto da adoção ou não", diz a psicanalista. Portanto, falar mais sobre o tema é uma das alternativas para compreender os sentimentos que levam os pais adotivos a desejarem devolver as crianças. "Os conflitos também existem entre pais e filhos biológicos. Ao falar sobre as dificuldades, podemos encontrar caminhos e alternativas para situações que, muitas vezes, são vividas no isolamento e na solidão. Muitos acreditam que, ao deixar de falar sobre as dificuldades, elas deixarão de existir", afirma Maria Luiza. Ou seja, ao aceitar os problemas, os pais se sentem mais livres para buscar ajuda, seja com psicólogos ou técnicos judiciários.

O objetivo de Maria Luiza, inclusive, é auxiliar esses profissionais a preparar os pais sobre o que realmente significa a adoção - que deve ser considerada um processo irrevogável. Para isso, é importante acolher as dúvidas deles, que geralmente iniciam o processo angustiados, por terem tentado um filho biológico e não conseguirem. "A adoção possibilita a experiência da paternidade, mas ao mesmo tempo, lembra aos pais o porquê de não terem filhos biológicos. É uma dualidade constante. Para que a criança seja efetivamente assumida, é necessário, ao mesmo tempo, lembrar e esquecer dessa questão, e nunca usar a origem da criança em momentos de conflito", explica. Com esse acompanhamento próximo, é mais fácil evitar as devoluções, caracterizadas como sofrimento tanto para os pais quanto para as crianças.

Outro fator de risco é a demora no processo de destituição do poder familiar. Até que a criança seja completamente desvinculada de seus pais biológicos, os pais adotivos podem se sentir inseguros. "Eles podem ter receio de se 'apegar' à criança ou de que logo ela precise voltar para a família biológica", diz. Um novo projeto de lei em tramitação busca diminuir o tempo de espera pela destituição, tornando o processo de adoção mais rápido e menos burocrático.

Atualmente, a Justiça permite a devolução apenas em casos de rejeição muito intensa, uma vez que a prioridade é manter a criança na família adotiva. A psicóloga também afirma que a própria criança pode não se adaptar. Mas é possível que, em alguma situação, a devolução seja a melhor saída? Maria Luiza acredita que sim. "Para a criança, pode ser melhor retornar à situação anterior do que permanecer com uma família que a rejeita, quando os conflitos atingem um nível insustentável", diz. No entanto, para que essa rejeição seja realmente definida, é preciso uma análise cuidadosa por parte do Judiciário e é muito importante a ajuda de um psicólogo.

Fonte : http://revistacrescer.globo.com/

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